O luto materno em situação de violência policial
contribuições psicanalíticas
DOI:
https://doi.org/10.23925/2594-3871.2023v32i2p459-484Palavras-chave:
Luto materno, Violência policial, Psicanálise, NarcisismoResumo
A polícia brasileira já foi considerada a mais letal e frequentemente alveja jovens negros marginalizados (Araújo, 2015). As mães desses indivíduos perdem seus filhos precocemente de maneira abrupta e violenta. Para muitas mães a perda de um filho constitui a maior do mundo, o que torna relevante questionar: como a perda de um filho pela violência policial repercute no enlutamento materno? Foram encontrados poucos estudos sobre o tema, apesar de sua prevalência e dos impactos negativos permanentes na vida dessas mães (Gomes, 2019). Por meio de uma revisão bibliográfica não sistemática sobre o tema do luto e das perdas violentas, e com base em depoimentos publicizados de mães que perderam seus filhos pela violência policial, focalizamos como a psicanálise tem um importante papel na escuta dessas mulheres, que podem traçar diferentes caminhos de trabalho psíquico. Como resultado, vimos que a perda de um filho possui caráter traumático e nela se destaca a natureza narcísica da relação mãe-filho, rompida abruptamente pela morte. Este estudo oferece algumas contribuições para o entendimento desse sofrimento e para a escuta dessas mulheres, que, como muitas se autodenominam, são “mães sem nome”.
Metrics
Referências
Acayaba, C. (2019, 12 maio). Mães de mortos pela polícia lançam livro com 23 relatos sobre a vida dos filhos. G1. Recuperado de https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/05/12/maes-de-mortos-pela-policia-lancam-livro-com-23-relatos-sobre-a-vida-dos-filhos.ghtml.
Almeida, M. S. C., & Pereda, P. C. (2019). Esgotamento do impacto das UPPs sobre criminalidade. Working Paper Series, Vol. 34 (2019), pp. 01-29. Recuperado de http://www.repec.eae.fea.usp.br/documentos/Almeida_Pereda_34WP.pdf.
Anistia Internacional. (2016). Anistia Internacional Informe 2015/16: o estado dos direitos humanos no mundo. Anistia Internacional Brasil (Trad.). Rio de Janeiro: Grafitto Gráfica e Editora Ltda. Recuperado de https://anistia.org.br/wp-content/uploads/2016/02/Informe2016_Final_Web-1.pdf.
Antonello, D. F. (2019). Testemunhar - um modo de compartilhar o trauma. Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica, 22(2), pp. 180-189. Recuperado de https://doi.org/10.1590/1809-44142019002005
Araújo, T. de. (2015, 08 setembro). Polícia brasileira é a que mais mata no mundo, diz relatório. Exame. Recuperado de https://exame.com/brasil/policia-brasileira-e-a-que-mais-mata-no-mundo-diz-relatorio/.
Betim, F. (2019, 08 julho). As mães ‘órfãs’ de filhos que o Estado levou. El País Brasil. Recuperado de https://brasil.elpais.com/brasil/2019/06/10/politica/1560155313_626904.html
Broide, J. (2014). A construção de dispositivos clínicos. Correio da APPOA, 240. Recuperado de http://www.appoa.org.br/correio/edicao/240/a_construcao_de_dispositivos_clinicos/156.
Broide, J. (2018). O trabalho clínico junto às populações afetadas pela violência de Estado. In: M. D. Rosa et al (Org.). As escritas do Ódio: psicanálise e política (pp. 363-375). São Paulo: Escuta/Fapesp.
Broide, J. (2019). A clínica psicanalítica na cidade: a clínica psicanalítica nos espaços públicos: breves considerações históricas. In: E. Broide & I, Katz (Orgs.). Psicanálise nos Espaços Públicos (pp. 48-65). São Paulo: Biblioteca Dante Moreira Leite/Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Recuperado de http://newpsi.bvs-psi.org.br/eventos/Psicanalise_espacos_publicos.pdf.
Burgos, M. B., Pereira, L. F. A., Cavalcanti, M., Brum, M., & Amoroso, M. (2011, agosto). O Efeito UPP na Percepção dos Moradores das Favelas. Desigualdade & Diversidade: Revista de Ciências Sociais da PUC-Rio, Vol. 11, pp. 49-97. Recuperado de http://desigualdadediversidade.soc.puc-rio.br/media/4artigo11.pdf.
Butler, J. (2020, 10 julho). Judith Butler: “De quem são as vidas consideradas choráveis em nosso mundo público?”. El País Brasil. Recuperado de https://brasil.elpais.com/babelia/2020-07-10/judith-butler-de-quem-sao-as-vidas-consideradas-choraveis-em-nosso-mundo-publico.html.
Carneiro, J. D. (2018, 03 maio). Unidas pela dor: mães que perderam filhos para a violência encontram amparo em grupo no RJ. BBC Brasil. Recuperado de https://www.bbc.com/portuguese/brasil-43915337
Cerezetti, C. R. N. (2010). Avanços da psicologia hospitalar: por onde caminhamos. São Paulo: Paulus.
Código Processo Penal (1941). Decreto de lei n. 3.689, de 1941/03/10. (54a ed.). São Paulo, SP: Saraiva
Cremasco, M. V. F., Schinemann, D. & Pimenta, S. de O. (2015). Mães que Perderam Filhos: uma Leitura Psicanalítica do Filme Toca do Coelho. Psicologia: Ciência e Profissão, 35 (1), 54-68. https://doi.org/10.1590/1982-3703002152013.
Cremasco, M. V. F. (2020, jun/jul). Luto na pandemia de COVID-19. Entrevistada por R. Mello. Revista PsicoFAE: Pluralidades em Saúde Mental. Recuperado de https://revistapsicofae.fae.edu/psico/article/view/289.
Dalbosco, C. (2006). Ressonâncias da morte violenta de adolescentes e jovens: estudo teórico clínico das famílias em sofrimento (Dissertação de Mestrado) - Curso de Psicologia, Departamento de Psicologia Clínica, Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil. Recuperado de https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/3609/1/2006_Carla%20Dalbosco.pdf.
Flores, T. (2017). Cenas de um genocídio: homicídios de jovens negros no Brasil e a ação de representantes do Estado (Dissertação de Mestrado). Mestrado em Direitos Humanos e Cidadania, Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil. Recuperado de https://repositorio.unb.br/handle/10482/31045.
Folha de S. Paulo (2020). Letalidade policial bate recorde, e homicídios sobem durante a pandemia em SP. Folha de S. Paulo. Recuperado de https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/07/letalidade-policial-bate-recorde-e-homicidios-durante-a-pandemia-em-sp.shtml.
Franco, L. (2019, 11 março). ‘Ele morreu duas vezes’: a batalha de uma mãe para tirar da internet ‘fake news’ que acusam filho morto de ser traficante.Terra. Recuperado de https://www.terra.com.br/noticias/brasil/ele-morreu-duas-vezes-a-batalha-de-uma-mae-para-tirar-da-internet-fake-news-que-acusam-filho-morto-de-ser-traficante,11b5a550f3d4e08bf1c3462084715041xvuaee6f.html.
Freud, S. (1914a). Introdução ao narcisismo. In: S. Freud. Introdução ao Narcisismo, Ensaios de Metapsicologia e outros textos (1914-1916). P. C. de Souza (Trad.). (Obras Completas, Vol. 12, pp. 13-51). São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
Freud, S. (1914b). Recordar, repetir e elaborar. In: S. Freud. Observações psicanalíticas sobre um caso de paranoia relatado em autobriografia (“o caso Schreber”), artigos sobre técnica e outros textos (1911-1913). P. C. de Souza (Trad.). (Obras Completas, Vol. 10, pp. 193-210). São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
Freud, S. (1917 [1915]). Luto e Melancolia. In: S. Freud. Introdução ao Narcisismo, Ensaios de Metapsicologia e outros textos (1914-1916). P. C. de Souza (Trad.). (Obras Completas, Vol. 12, pp. 170-195). São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
Freud, S. (1921). Psicologia das Massas e Análise do Eu. In: S. Freud. Psicologia das Massas e Análise do Eu e outros textos (1920-1923). P. C. de Souza (Trad.). (Obras Completas, Vol. 15, pp. 13-114). São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
Fustinoni, C. F., & Caniato, A. (2019). O luto dos familiares de desaparecidos na Ditadura Militar e os movimentos de testemunho. Psicologia USP, 30. Recuperado de https://doi.org/10.1590/0103-6564e180131.
Gomes, L. B. (2019). O processo de luto e os efeitos do traumático: um estudo psicanalítico sobre trabalhos psíquicos, memória, testemunho e elaboração onírica. Dissertação de Mestrado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo. doi:10.11606/D.47.2020.tde-14022020-122157. Recuperado de https://teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47131/tde-14022020-122157/pt-br.php.
Gonzalez, L. (2018). A categoria Político-Cultural da Amefricanidade. In: L. Gonzalez. Primavera para as rosas negras: Lélia Gonzalez em primeira pessoa. São Paulo: Diáspora Africana.
Grellet, F. (2020, 15 julho). Negros são 75% dos mortos pela polícia no Brasil, aponta relatório. UOL. Recuperado de https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2020/07/15/negros-sao-75-dos-mortos-pela-policia-no-brasil-aponta-relatorio.htm?cmpid=copiaecola.
Imbrizi, J. M., Martins, E. de C., Reghin, M. G., Pinto, D. K. de S., & Arruda, D. P. (2019). Cultura hip-hop e enfrentamento à violência: uma estratégia universitária extensionista. Fractal: Revista de Psicologia, 31(spe), 166-172. Recuperado de https://doi.org/10.22409/1984-0292/v31i_esp/29041.
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. (2020). Atlas da Violência 2020. Brasília: IPEA, Recuperado de https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/24/atlas-da-violencia-2020.
Kehl, M. R. (2016). Deslocamentos do feminino: a mulher freudiana na passagem para a modernidade. (2a ed.). São Paulo: Boitempo.
Kurogi, L. T. (2015). Mães sem nome: a perda de um filho por assassinato (Dissertação de Mestrado). Curso de Psicologia, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil. Recuperado de https://www.acervodigital.ufpr.br/handle/1884/39309.
Lacan, J. (1997). Seminário 7 – A Ética da Psicanálise (1959-60). Rio de Janeiro: Zahar.
Menezes, L. (2018, 15 setembro). Senhoras das dores, as mães que violência policial despedaçou. Metrópoles. Recuperado de https://www.metropoles.com/materias-especiais/maes-que-perderam-seus-filhos-por-violencia-policial-lutam-por-justica.
Misse, M. (2011, janeiro). Autos de Resistência: Uma análise dos homicídios cometidos por policiais na cidade do Rio de Janeiro (2001-2011) (Relatório final). Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Recuperado de http://fopir.org.br/wp-content/uploads/2017/04/PesquisaAutoResistencia_Michel-Misse.pdf.
Misse, D. (2014). Cinco anos de UPP: Um breve balanço. Dilemas - Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, 7(3), 675-700. Recuperado de https://revistas.ufrj.br/index.php/dilemas/article/view/7238
Moraes, Pedro Bodê de. (2004) Juventude, medo e violência. In: Ciclo de Conferências direito e psicanálise. Novos e invisíveis laços. Recuperado de https://www.mobilizadores.org.br/wp-content/uploads/2014/09/MORAES-juventude_medo_e_violencia.pdf.
Piccinini, C. A., Lopes, R. S., Gomes, A. G., & De Nardi, T. (2008). Gestação e a constituição da maternidade. Psicologia em Estudo , 13 (1), pp. 63-72. https://doi.org/10.1590/S1413-73722008000100008.
Prates, A. L. (2020, 26 abril). Lápide. Psicanalistas pela Democracia. Recuperado de https://psicanalisedemocracia.com.br/2020/04/lapide-poana-laura-prates/.
Puff, J. (2014, 18 setembro). Tragédia une mães de mortos por policiais: “Eles acham que a gente não tem voz”. BBC Brasil. Recuperado de https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/09/140919_depoimentos_maes_vitimas_salasocial_eleicoes2014_rw.
Rosa, M. D., Alencar, S., & Martins, R. (2018). Licença para odiar: uma questão para a Psicanálise e a Política. In: M. D. Rosa et al (Org.). As escritas do Ódio: psicanálise e política (pp. 15-33). São Paulo: Escuta/Fapesp.
Santiago, V. (2019). A maternidade como resistência à violência de Estado. Cadernos Pagu, (55). Recuperado de https://dx.doi.org/10.1590/18094449201900550011.
Schinemann, D. C. (2014). O luto das mães que perderam seus filhos: uma leitura psicanalítica (Dissertação de mestrado). Curso de Psicologia, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil. Recuperado de https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/35857.
Senkevics, A. (2013, 14 novembro). Epidemia de mortes de jovens negros e pobres no Brasil. Portal Geledés. Recuperado de https://www.geledes.org.br/epidemia-de-mortes-de-jovens-negros-e-pobres-no-brasil/.
Silva, M. L. da. (2017, 31 julho). “Impactos do racismo não são reconhecidos pela psicanálise”, afirma psicóloga. Entrevistada por L. Console. Brasil de Fato. Recuperado de https://www.brasildefato.com.br/2017/07/31/impactos-do-racismo-nao-sao-reconhecidos-pela-psicanalise-afirma-psicologa
Soares, M., Cravo, A. & Tatsch, C. (2020, 03 julho) Dados do SUS revelam vítima-padrão de COVID-19 no Brasil: homem, pobre e negro. ÉPOCA. Recuperado de https://epoca.globo.com/sociedade/dados-do-sus-revelam-vitima-padrao-de-covid-19-no-brasil-homem-pobre-negro-24513414.
Souza, N. S. (1990). Tornar-se Negro: As Vicissitudes da Identidade do Negro brasileiro em Ascensão Social. Rio de Janeiro: Edições Graal.
Vasconcelos, C. (2019, 17 maio) “O Estado tirou o nosso direito de sorrir”, dizem Mães de Maio em lançamento em SP. Ponte Jornalismo. Recuperado de https://ponte.org/o-estado-tirou-o-nosso-direito-de-sorrir-dizem-maes-de-maio-em-lancamento-em-sp/.
Downloads
Publicado
Como Citar
Edição
Seção
Licença
Copyright (c) 2023 Julia Tocalino Morabito, Maria Virginia Filomena Cremasco
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution 4.0 International License.