“Só a antropofagia nos une”. Missa dos Quilombos a partir de uma (est)ética antropofágica
DOI:
https://doi.org/10.23925/2236-9937.2021v23p419-445Keywords:
Missa dos Quilombos, Antropofagia, Modernismo.Abstract
Já no Modernismo brasileiro Oswald de Andrade colocou o desafio de se pensar uma ontologia nacional a partir de uma leitura antropofágica da realidade histórica. A sua tese fincava raízes no reconhecimento traumático do contato civilizacional dos povos e na aceitação substancial da herança antropológica dos povos originários. Para além de um devaneio poético ou estética literária, o tema da antropofagia requer o corpo como elemento em que a história se faz e se realiza. Se é verdade a assertiva que “só a antropofagia nos une”, então nos colocamos diante de um “olhar o mundo” a partir da perspectiva dos corpos que se encontram e se rechaçam mutuamente. Sendo a compreensão da história nacional baseada no embate de forças das relações de poder e subordinação, a tese oswaldiana pode se dirigir à conclusão de encontrar na antropofagia uma mediação para um entendimento substancial da questão humana. Nessa perspectiva e tendo em consideração o desafio de reavaliar uma epistemologia a partir destas questões, poderíamos interrogar que acontecimentos históricos poderiam apontar para a realização de sua tese? Um caminho proposto, que conjuga a substancialização dos elementos históricos herdados do encontro traumático seria a famosa, e não menos polêmica, Missa dos Quilombos. Sendo uma síntese do encontro entre o corpo colonizador e o corpo colonizado, a Missa converte-se num campo de possibilidades que mergulha profundamente em nossas raízes culturais e extrai daí sua matéria de reavaliação. Sob o signo do chicote, açoite e sangue derramado que marcam a nossa herança a partir da escrita dos corpos no tempo histórico, a Missa dos Quilombos nos convida a um novo olhar sobre o humano e nossa própria história. Revivendo na carne do povo negro os dramas históricos, a Missa dos Quilombos celebrava uma utopia que extrapolava os limites de uma estética ritualística e se efetivava numa ética humana. Revisitar esse ritual nos permite lançar luzes sobre o conceito oswaldiano de antropofagia e sua “existência palpável da vida”, ressignificando, desta forma, a própria concepção cristã de alteridade, a qual requer, obrigatoriamente, o corpo em sua constituição.References
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