O uso da matemática e da estatística em discursos de desinformação científica em uma comunidade virtual negacionista
DOI:
https://doi.org/10.23925/1983-3156.2025v27i1p385-420Palavras-chave:
Desinformação, Rede social, Negacionismo científico, Letramento matemático, Letramento estatísticoResumo
Sabemos que a proliferação de desinformação nas redes sociais tem se tornado um problema social, alimentando e sendo alimentado por discursos de negação da ciência em comunidades ideológicas. Com o objetivo de analisar de que forma discursos de desinformação e negação da ciência se apropriam de ideias e conceitos matemáticos e estatísticos para provar seus pontos de vista, realizamos uma etnografia virtual na rede social X (antigo Twitter) em uma comunidade de usuários comumente associados a discursos negacionistas como estudo de caso para se pensar em estratégias específicas de letramento matemático e estatístico. Acompanhamos a comunidade sistematicamente por oito meses, refletindo sobre as publicações e interações dos usuários. Analisamos os resultados considerando a importância do desenvolvimento da lógica, abstração e comunicação no letramento matemático e estatístico para a análise crítica de informações, juntamente com a necessidade de um letramento político. Os resultados mostram relações entre discursos negacionistas e dificuldades em interpretação de gráficos e em noções de grandes números, noções equivocadas sobre amostragem significativa, usos acríticos de porcentagens e uma busca individual dos usuários por uma suposta verdade. Por fim, apresentamos exemplos de estratégias possíveis de serem feitas na educação matemática condizentes com as demandas encontradas.
Referências
Almeida, L. M. W. de, & Dias, M. R. (2004). Um estudo sobre o uso da modelagem matemática como estratégia de ensino e aprendizagem. Bolema, 17(22), 1-24
Amorim, F. (2019, 15 de dezembro). Bolsonaro diz que pressão sobre mudança climática é "jogo comercial". UOL. https://noticias.uol.com.br/meio-ambiente/ultimas-noticias/redacao/2019/12/15/bolsonaro-diz-que-pressao-sobre-mudanca-climatica-e-jogo-comercial.htm
Angrosino, M. (2009). Etnografia e observação participante. Porto Alegre: Artmed.
Antoniassi, M., & Dias, F. A. S. (2022). Letramento estatístico: uma revisão de literatura com artigos do banco de dados ERIC. JIEEM – Journal of Informatics, Educational and Management Sciences, 25(3), 304–313. https://doi.org/10.17921/2176-5634.2022v15n3p304-313
Araujo, R. F., & Oliveira, T. M. (2020). Desinformação e mensagens sobre a hidroxicloroquina no Twitter: da pressão política à disputa científica. AtoZ: Novas práticas em informação e conhecimento, 9(2), 196–205. https://doi.org/10.5380/atoz.v9i2.75929
Benites, A. (2018, 28 de setembro). A máquina de ‘fake news’ nos grupos a favor de Bolsonaro no WhatsApp. El País. https://brasil.elpais.com/brasil/2018/09/26/politica/1537997311_859341.html
Bianchi, L. E. (2007). A lógica no desenvolvimento da competência argumentativa [Tese de doutorado, Universidade Estadual Paulista]. http://hdl.handle.net/11449/102152.
Cardoso, D. (2025, 15 de fevereiro). Pesquisa revela aumento de discurso de ódio no X após compra por Elon Musk. Notícias, Tecnologia. E. M. Foco. https://www.em.com.br/emfoco/2025/02/15/pesquisa-revela-aumento-de-discurso-de-odio-no-x-apos-compra-por-elon-musk/
Cazorla, I. M., & Castro, F. C. (2008). O papel da estatística na leitura do mundo: o letramento estatístico. Publicatio UEPG: Ciências Humanas, Linguística, Letras e Artes, 16(1), 45–53.
Cesarino, L. (2022). Bolsonarismo sem Bolsonaro? Públicos antiestruturais na nova fronteira cibernética. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, (82), 162–188.
D’Ancona, M. (2018). Pós-verdade: A nova guerra contra os fatos em tempos de fake news (C. Szlak, Trad.). Barueri: Faro Editorial.
Dias, M. (2019, 11 de setembro). Nos EUA, Ernesto critica 'climatismo' e diz que debate é 'pretexto para ditadura'. Folha de S. Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/09/nos-eua-araujo-critica-climatismo-e-diz-que-debate-e-pretexto-para-ditadura.shtml
English Oxford Living Dictionaries. (2016). Word of the Year 2016 is…. https://languages.oup.com/word-of-the-year/2016/
Fernandes, C. M., Oliveira, L. A. de, Campos, M. M. de, & Coimbra, M. R. (2020). A Pós-verdade em tempos de Covid-19: O negacionismo no discurso de Jair Bolsonaro no Instagram. Liinc em Revista, 16(2), e5317. https://doi.org/10.18617/liinc.v16i2.5317
Gal, I. (2002). Adult statistical literacy: Meanings, components, responsibilities. International Statistical Review, 70(1), 1-25
Gastaldi, F. C. (2018). Gramsci e o negacionismo climático estadunidense: A construção do discurso hegemônico do antropoceno. Revista Neiba, Cadernos Argentina Brasil, 7(1), e39247. https://doi.org/10.12957/neiba.2018.39247
Girotto Jr., G., Vasconcelos, C. A., & Pivaro, G. F. (2022). Hiperparticularización de conceptos, negativismo científico y naturaleza de la ciencia: un análisis de las respuestas a los textos de divulgación científica. Prometeica - Revista De Filosofía Y Ciencias, (24), 113–130
Guimarães Jr., M. J. L. (2005). Doing anthropology in cyberspace: Fieldwork boundaries and social environment. In C. Hine (Ed.), Virtual methods: Issues in social research on the internet (pp. 141–156). Oxford, New York: Berg.
Hine, C. (2000). Virtual ethnography. Sage.
Hine, C. (2005). Introduction. In C. Hine (Ed.), Virtual methods: Issues in social research on the internet (pp. 109–112). Oxford, New York: Berg.
Hine, C. (2015). Ethnography for the internet: Embedded, embodied and everyday. London, United Kingdom: Bloomsbury.
Höttecke, D., & Allchin, D. (2020). Reconceptualizing nature-of-science education in the age of social media. Science Education, 104(4), 641–666. https://doi.org/10.1002/sce.21575
Huff, D. (1993). How to lie with statistics. New York: W.W. Norton & Company
Jablonka, E. (2003). Mathematical literacy. In A. J. Bishop, M. A. Clements, C. Keitel, J. Kilpatrick, & F. K. S. Leung (Eds.), Second international handbook of mathematics education (pp. 75–102). Kluwer Academic Publishers. https://doi.org/10.1007/978-94-010-0273-8_6
Kapantai, E., Christopoulou, A., Berberidis, C., & Peristeras, V. (2021). A systematic literature review on disinformation: Toward a unified taxonomical framework. New Media & Society, 23(5), 1301–1326. https://doi.org/10.1177/1461444820959296
Massarani, L., Costa, M. C. R., & Brotas, A. (2021). Enquadramentos e desinformação sobre vacina contra COVID-19 no YouTube: Embaralhamentos entre ciência e negacionismo. Revista Mídia e Cotidiano, 15(3), 73–100.
McIntyre, L. (2018). Post-truth. Cambridge, MA: The MIT Press.
McIntyre, L. (2021). How to talk to a science denier: Conversations with flat earthers, climate deniers, and others who defy reason. Cambridge, MA: MIT Press.
Monteiro, M. M., & Marcelino, V. D. S. (2022). ENSINAR CIÊNCIAS POR INVESTIGAÇÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA: PROMOVENDO A ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA POR MEIO DA ABORDAGEM DE UMA FAKE NEWS SOBRE O CÂNCER. Revista Brasileira de Ensino de Ciências e Matemática, 5(1), 666-688. https://10.5335/rbecm.v5i1.12926
OECD (2013), PISA 2012 Assessment and Analytical Framework: Mathematics, Reading, Science, Problem Solving and Financial Literacy, PISA, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/9789264190511-en.
Oliveira, J. (20 de out. 2021) Bolsonaro é “líder e porta-voz” das ‘fake news’ no país, diz relatório final da CPI da Pandemia. El País. https://brasil.elpais.com/brasil/2021-10-20/bolsonaro-e-lider-e-porta-voz-das-fake-news-no-pais-diz-relatorio-final-da-cpi-da-pandemia.html
Oliveira, T. M. (2019). Autoridade científica em tempos de crise epistêmica: A circulação de teorias da conspiração nas mídias sociais. Atas do XXVIII Encontro Anual da Compós, Porto Alegre, RS, 1–23.
Oliveira, T. M. (2020). Como enfrentar a desinformação científica? Desafios sociais, políticos e jurídicos intensificados no contexto da pandemia. Liinc em Revista, 16(2), e5374. https://doi.org/10.18617/liinc.v16i2.5374
Oliveira, T. M., Martins, R. Q. R., & Toth, J. P. (2020) Antivacina, fosfoetanolamina e Mineral Miracle Solution (MMS): mapeamento de fake sciences ligadas à saúde no Facebook. Reciis, 14(1), 90-111. https://doi.org/10.29397/reciis.v14i1.1988
Oreskes, N., & Conway, E. M. (2010). Merchants of doubt: How a handful of scientists obscured the truth on issues from tobacco smoke to global warming. New York: Bloomsbury Press.
Parker, C., Scott, S., & Geddes, A. (2019). Snowball sampling. In P. Atkinson, S. Delamont, A. Cernat, J. W. Sakshaug, & R. A. Williams (Eds.), SAGE Research Methods Foundations. https://doi.org/10.4135/9781526421036831710
Penteado, C. L. De C., Goya, D. H., Dos Santos, P. D., & Jardim, L. (2022). Populismo, desinformação e COVID-19: Comunicação de Jair Bolsonaro no Twitter. Media & Jornalismo, 22(40), 239–260.
Pereira, A. A. G., & Figueirôa, S. F. M. (2024). Epistemologia social e desinformação científica: Perspectivas para a educação em ciências. Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências (Online), 26, 1–20.
Pivaro, G. F. (2023) Sobre a propagação de desinformações científicas nas redes sociais: Uma pesquisa etnográfica no Twitter para reflexões sobre a educação em ciências [Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas] https://repositorio.unicamp.br/acervo/detalhe/1344618.
Pivaro, G. F., & Girotto Júnior, G. (2020). O ataque organizado à ciência como forma de manipulação: do aquecimento global ao coronavírus. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, 37, 1074-1098.
Pivaro, G. F., & Girotto Júnior, G. (2022). Qual ciência é negada nas redes sociais? Reflexões de uma pesquisa etnográfica em uma comunidade virtual negacionista. Investigação em Ensino de Ciências (Online), 27(1), 435-458.
Pivaro, G. F., & Girotto Júnior, G. (2023). Características dos Discursos de Desinformação Relacionados aos Conhecimentos Científicos das Redes Bolsonaristas no Twitter. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, 23, e40800.
Rabin-Havt, A. (2016). Lies, Incorporated: The world of post-truth politics. Anchor Books.
Recuero, R. (2014). Contribuições da análise de redes sociais para o estudo das redes sociais na Internet: O caso da hashtag #Tamojuntodilma e #CalaabocaDilma. Fronteiras – Estudos Midiáticos, 16(2), 60–77. https://doi.org/10.4013/fem.2014.162.01
Recuero, R., Zago, G., Bastos, M. T., & Araújo, R. (2015). Hashtags functions in the protests across Brazil. SAGE Open, 5(2), 1–14. https://doi.org/10.1177/2158244015586000
Recuero, R., Soares, F. B., Vinhas, O., Volcan, T., Zago, G., Stumpf, E. M., ... & Sodré, G. (2020). Desinformação, mídia social e COVID-19 no Brasil: Relatório, resultados e estratégias de combate. MIDIARS. https://wp.ufpel.edu.br/midiars/files/2021/05/Desinformac%CC%A7a%CC%83o-covid-midiars-2021-1.pdf
Recuero, R., Soares, F., & Zago, G. (2021). Polarização, hiperpartidarismo e câmaras de eco: Como circula a desinformação sobre COVID-19 no Twitter. Contracampo, 40(1), 1–17.
Rigon, E. A., & Stamberg, C. S. (2023). Lógica matemática: Desafios e possibilidades na educação básica. Revista Educação Matemática, 11(1), Publicação Contínua.
Sales, S. N., & Pereira, A. A. G. (2024). Construção de discurso dos licenciandos sobre a confiabilidade e credibilidade de afirmações sobre o aquecimento global divulgadas nas mídias sociais. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, 41(1), 123–151. https://doi.org/10.5007/2175-7941.2024.e95967
Santana, M. S. (2016). Traduzindo pensamento e letramento estatístico em atividades para sala de aula: Construção de um produto educacional. Bolema, 30(56), 1165–1187. https://doi.org/10.1590/1980-4415v30n56a17
Seife, C. (2012). Os números (não) mentem: Como a matemática pode ser usada para enganar você. Rio de Janeiro: Zahar
Scolari, A. T., Bernardi, G., & Cordenonsi, A. Z. (2007). O desenvolvimento do raciocínio lógico através de objetos de aprendizagem. Anais do Congresso Internacional de Educação e Tecnologias, Universidade Federal de Santa Maria
Seibt, T. & Dannenberg, M. (2021) Pandemia, desinformação e discurso autoritário: os sentidos das declarações de Jair Bolsonaro no Twitter a partir de checagens do Aos Fatos. Liinc em Revista, 17(1), e5687. https://revista.ibict.br/liinc/article/view/5687
Silva, D. C. P. (2020) Embates semiótico-discursivos em redes digitais bolsonaristas: populismo, negacionismo e ditadura. Trabalhos em Linguística Aplicada, 59(2), 1171-1195. https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/article/view/8658484
Skovsmose, O. (2000). Cenários para investigação (J. C. Barbosa, Trad.). Bolema, 13(14), 1–24
Soares, F, B. (2020) As estratégias de argumentação e as formas de desinformação nas mensagens de Jair Bolsonaro no Twitter durante o segundo turno das eleições presidenciais de 2018. Mediação, 22(30), 8-22.
Soares, F. B., Viegas, P., Sudrack, S., Recuero, R., & Huttner, L. R. (2019). Desinformação e esfera pública no Twitter: Disputas discursivas sobre o assassinato de Marielle Franco. Fronteiras – Estudos Midiáticos, 21(3), 2–14.
Souza, L. de O. (2017). Possibilidades de insubordinação criativa no ensino de Estatística. Revista de Ensino de Ciências e Matemática, 8(4), 253–272.
Souza, L. de O., & Araújo, J. de L. (2022). O fenômeno das fake news: Formação de crenças sob a ótica pragmatista e a Educação Matemática. Acta Scientiae, 24(1), 1–29.
Souza, L. de O., Araújo, J. de L., & Pinto, T. F. (2022). O fenômeno da desinformação e o papel dos números na comunicação: Concepções de professores e futuros professores de Matemática. Educação Matemática em Revista - RS, 2(23).
Spinelli, E. M., & Santos, J. A. (2020). Alfabetização midiática na era da desinformação. ECCOM, 11(2), 147–164.
Spinelli, W. (2011). A construção do conhecimento entre o abstrair e o contextualizar: O caso do ensino da Matemática [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-10062011-134105/
Talwar, S., Dhir, A., Haur, P., Zafar, N., & Alrasheedy, M. (2019). Why do people share fake news? Associations between the dark side of social media use and fake news sharing behavior. Journal of Retailing and Consumer Services, 51, 72–82.
Uriarte, U. M. (2012). O que é fazer etnografia para os antropólogos. Ponto Urbe, (11), 1–13. https://doi.org/10.4000/pontourbe.300
Vilela, M. L., & Selles, S. E. (2020). É possível uma Educação em Ciências crítica em tempos de negacionismo científico? Caderno Brasileiro de Ensino de Física, 37(3), 1722–1747.
Walichinski, D. (2012). Contextualização no ensino de estatística: Uma proposta para os anos finais do ensino fundamental [Dissertação de mestrado, Universidade Tecnológica Federal do Paraná]. Repositório Institucional da UTFPR.
Wardle, C., & Derakhshan, H. (2017). Information disorder: Toward an interdisciplinary framework for research and policymaking. Strasbourg: Council of Europe.
Wild, C. J., & Pfannkuch, M. (1999). Statistical thinking in empirical enquiry. International Statistical Review, 67(3), 223–265. https://doi.org/10.1111/j.1751-5823.1999.tb00442.x
Wu, L., Morstatter, F., Carley, K. M., & Liu, H. (2019). Misinformation in social media: Definition, manipulation, and detection. ACM SIGKDD Explorations Newsletter, 21(2), 80–90
Downloads
Publicado
Como Citar
Edição
Seção
Licença
Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-NoDerivatives 4.0 International License.
Autores que publicam nesta revista concordam com os seguintes termos:- Autores mantém os direitos autorais e concedem à revista o direito de primeira publicação, com o trabalho simultaneamente licenciado sob a Licença Creative Commons Attribution que permite o compartilhamento do trabalho com reconhecimento da autoria e publicação inicial nesta revista.
- Autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não-exclusiva da versão do trabalho publicada nesta revista (ex.: publicar em repositório institucional ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial nesta revista.
- Autores têm permissão e são estimulados a publicar e distribuir seu trabalho online (ex.: em repositórios institucionais ou na sua página pessoal) a qualquer ponto antes ou durante o processo editorial, já que isso pode gerar alterações produtivas, bem como aumentar o impacto e a citação do trabalho publicado (Veja O Efeito do Acesso Livre).
